O Procurador-Geral da República (PGR), Américo Julião Letela, disse que o aumento do desrespeito pela vida, que propicia crimes de homicídio voluntário, demanda uma reflexão conjunta sobre as medidas sociais de prevenção, envolvendo todos os seguimentos da sociedade, incluindo as entidades especializadas na protecção dos direitos humanos.

Letela tomou este posicionamento esta terça-feira, em Maputo, durante a apresentação da Informação Anual do Procurador-Geral da República à Assembleia da República, tendo sublinhado que esta união de esforços visa definir estratégias de elevação e protecção da vida, como prioridade, em quaisquer circunstâncias.

“No ano de 2024 registamos um total de 1.566 processos de homicídios voluntários, contra 1.390 do ano anterior, verificando-se um aumento de 176, correspondentes a 12.7 por cento”, disse Letela, ajuntando que as províncias da Zambézia, Tete e Manica são as que registaram maior número de processos com 446, 208 e 189, respectivamente.

Outra preocupação apresentada pelo PGR relaciona se com o registo de violação de mulheres seguida de assassinato, cometidos de forma bárbara e hedionda, na cidade da Beira, Província de Sofala, criando o sentimento de insegurança em alguns bairros daquela urbe.

Em face deste cenário, segundo o informe do PGR, a par dos processos-crime desencadeados, atento ao perfil das vítimas, em coordenação com autoridades da ordem, segurança e tranquilidade públicas, “desenvolvermos acções de prevenção, envolvendo as potenciais vítimas, que culminaram com a adopção de estratégias de segurança individual e colectiva, bem como o estabelecimento de mecanismos céleres de denúncia”.

No que concerne ao tráfico de pessoas, órgãos e de partes de corpo humano, o PGR informou que estes crimes continuam a merecer a sua especial atenção. “Em 2024 registamos cinco processos de tráfico de pessoas, na cidade de Maputo e nas províncias de Cabo Delgado, Tete, Manica e Gaza, com um cada, contra dois, de igual período anterior, representando um acréscimo de três processos”.

“Outrossim, continuamos a registar casos de tráfico de órgãos humanos e, em 2024, o Ministério Público instaurou um total de quatro processos, contra cinco em igual período do ano anterior. Destes processos, em dois recaiu despacho de acusação e quatro transitaram para o período seguinte”, afirmou Letela.

O PGR aponta a vulnerabilidade socio-económica como factores que tornaram as pessoas susceptíveis ao tráfico, aliado ao uso indevido e as fragilidades no controlo de utilização das tecnologias de informação e comunicação, com enfoque para a internet, que alterou radicalmente, o modus operandi deste crime, tornando cada vez mais complexa a sua investigação.

“A internet constitui a nova arma dos traficantes por oferecer inúmeras possibilidades para recrutamento de vitimas”, disse o PGR, salientando que para fazer face a este cenário, há uma articulação com os provedores de serviços de telecomunicações e empresas de tecnologias para conceber um website de acesso público, com informações abrangentes e actualizada para consciencializar os cidadãos, particularmente, os grupos mais vulneráveis, as crianças e jovens sobre os riscos de exposição online e as medidas de segurança.

Ainda no âmbito do informe do PGR à Assembleia da República, Letela defendeu a necessidade da revisão da Lei de Tráfico de Pessoas de modo a conferir maior sintonia com o Protocolo de Palermo e a Legislação Penal e Processual Penal em vigor, cuja proposta se encontra depositada no Ministério da Justiça, Assuntos Constitucionais e Religiosos desde 2023.

No que concerne à prevenção e combate a criminalidade organizada e transnacional, o PGR informou que nos esforços visando co combate eficaz a estes crimes entende “ser pertinente uma reflexão sobre a previsão, no nosso ordenamento jurídico, do instituto de direito premial, um acordo entre órgãos judiciários e um infractor que confessa um crime, resultando uma punição mais branda ou suspensão do processo, na condição de aquele denunciar o crime ou ajudar a descobrir a verdade e seus agentes”.

“Entre os principais benefícios desta figura, aponta-se a descoberta de verdade material, que facilita o esclarecimento de crimes, a possibilidade de atenuação das penas, incentivando a colaboração com as investigações e a protecção pessoal do colaborador, garantindo sua segurança durante e apos o processo”, disse o PGR para quem essa cooperação pode resultar na celeridade na tramitação dos processos contribuindo para a eficácia dos sistema de justiça.

Quanto ao crime de raptos, Letela disse que este continua a constituir um desafio às acções de prevenção e combate ao crime organizado, sobretudo na província de Maputo, onde se regista maior incidência, prevalecendo o sentimento de insegurança, sobretudo, nos agentes económicos e suas famílias com todas as consequências dai advenientes.

Segundo o PGR, este tipo de crime exige adopçao de medidas excepcionais para fortalecer a capacidade das instituições com responsabilidade directa na sua prevenção e combate, que vão desde componente recursos humanos, devidamente qualificados e que respondam aos padrões éticos e deontológicos, que inspiram confiança dos cidadãos até a colocação de meios técnicos, tácticos e tecnológicos especializados.

“No período em analise, foram instaurados 32 processos, contra 60 de igual período anterior, verificando-se uma redução de 28 processos, correspondente a 46,7 por cento”, disse o PGR salientando que firam 31 processo, tendo recaído despacho de acusação em 28 e de arquivamento em três e 14 transitaram para o período seguinte.

Para o PGR, são notórios os esforços desenvolvidos pelos agentes de investigação, inspectores e peritos criminais do Serviço Nacional de Investigação Criminal (SERNIC) e magistrados do Ministério Publico na investigação dos casos e instrução preparatórias dos processos.

“É neste contexto que, durante o ano de 2024, foram registados e devolvidas ao convívio familiar 13 vítimas. Foram detidos 21 suspeitos, apreendidos seis armas de fogo e desmantelados três cativeiros”, disse sustentando que apesar destes esforços, persiste a dificuldade de identificação e neutralização dos mandantes destes, por um lado, devido ao modo altamente sofisticado e complexo em que as redes operam, por outro lado, devido ao facto de alguns deles actuarem estando fora do país.